quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

O BRASILEIRO NÃO LÊ POR FALTA DE GRANA?



Esta semana, me deparei com um texto ligeiramente obtuso sobre o preço do livro no Brasil. A peça ressalta o quanto o livro é caro, o que assusta os potenciais leitores. O texto ainda menciona pesquisas, as quais não especifica, para demonstrar que o brasileiro prefere livros religiosos e a Bíblia que clássicos do cânone nacional, clássicos que o autor diz serem caríssimos (cof cof). Pois bem, algumas coisas me incomodaram bastante no texto… Na verdade, o texto todo é um incômodo, e não por trazer à tona verdades necessárias, mas por apresentar uma visão extremamente limitada da questão, sendo mais um desserviço que útil. Então, assim como a Rede Globo, vamos por partes.

Em primeiro lugar, o livro no Brasil é caro? Sim, bastante. Não há incentivos que barateiem a produção editorial, isso é fato. No entanto, pense no preço de um ingresso de cinema. Em algumas cidades passa de 35 reais; se pensarmos em uma exibição em IMAX/3D, o preço sobe ainda mais. E, por acaso, as salas de cinema estão vazias? Sabemos que não. E sabemos que a maioria dos espectadores prefere gastar seu dinheiro com um ingresso de cinema, por duas horas de diversão incerta, do que comprar um livro, uma obra que vai proporcionar mais tempo de entretenimento, e que ainda pode ser divida com outras pessoas sem preço adicional. Percebem? Temos aí uma questão cultural, não financeira.

Para corroborar minha afirmação, vamos analisar se, realmente, o acesso à literatura é limitado a quem pode pagar por ela. Pensando nos grandes clássicos da literatura brasileira, é um erro pensar que são financeiramente inviáveis. Machado de Assis, Joaquim Manuel de Macedo, Bernardo Guimarães, Castro Alves, Julia Lopes de Almeida, Humberto de Campos, Álvares de Azevedo, Adolfo Caminha, Aluisio de Azevedo, a obra de todos esses autores encontra-se em domínio público. E esses são apenas alguns (Clique AQUI e veja a lista completa). Se você não sabe o que é domínio público, eu explico. Significa que a obra é livre de direitos autorais, que qualquer pessoa pode editá-la, imprimi-la, distribui-la, comercializá-la, adaptá-la, etc. No site governamental http://www.dominiopublico.gov.br/ é possível baixar, legalmente e de graça, grande parte dessas obras. O livro digital é uma realidade, e, atualmente, office boys e desempregados desfilam com smartphones de 2, 3, 4 mil reais. Não dá pra dizer que é por falta de dinheiro que não vão ler nossos autores clássicos. Além disso, existem sebos onde se encontra facilmente essas obras a preços irrisórios; sem contar as bibliotecas públicas e projetos não governamentais ( acesse http://bibliotecas.cultura.gov.br/ e encontre uma biblioteca pública perto de você). Ou seja, a questão é cultural, não financeira.

Mas as obras clássicas podem não ser tão acessíveis assim aos novos leitores, e não estou falando do preço de aquisição, e sim da compreensão de seu conteúdo. Um leitor pouco experimentado pode se entediar, ou mesmo não compreender determinadas obras, visto sua linguagem e contexto histórico. Isso é um grande problema? Eu digo que não, porque existe literatura contemporânea. Novos autores surgem aos borbotões, se despejam nas mídias sociais em busca de um espaço, além daqueles já consagrados que seguem produzindo literatura acessível. Claro que mercado editorial é uma máquina cheia de vícios, e que a busca incessante pelo necessário vil metal deixa escondido muitos tesouros literários enquanto empurra uma quantidade considerável de dejetos em forma de texto, mas, dada a atual situação, cabe ao leitor buscar as obras que realmente lhe interessam, despindo-se de preconceitos e deixando se influenciar mais pelo seu gosto que pela massiva propaganda das grandes potências do mercado. A literatura independente tem crescido cada vez mais, mais em quantidade que em força, mas tem crescido. E os meios digitais de leitura são cada vez mais acessíveis. Qualquer um com um smartphone básico, ou um computador, ou um tablet, pode ter acesso a centenas de obras, muitas vezes de graça. A questão é cultural, não financeira.

Tudo bem, a questão é cultural. Então, por que a situação não muda? Por que o brasileiro lê tão pouco, e, quando lê, muitas vezes caem em obra com tão insignificante valor cultural e literário?

É muito difícil mudar uma cultura arraigada num povo, principalmente quando os formadores de opinião e detentores do poder não têm interesse nessa mudança. Não há incentivos para que as pessoas expandam seus horizontes, para que consumam tipos diferentes de arte. A política do pão e circo é a dominante, e é muito mais barato montar um circo vagabundo e jogar migalhas de um pão bolorento que apresentar grandes espetáculos e oferecer vultuosos banquetes.

Um povo que não lê, não pensa, e um povo que não pensa, não questiona.


Ler no Brasil não é caro, mas não ler, sim; e o preço sempre vem, com juros bem maiores que os do seu cartão de crédito.

2 comentários:

  1. Samuel, não poderia concordar mais.

    Certa feita escrevi algo sobre incentivar a leitura e acho que o conto do "mas é caro" é uma coisa que atrapalha pra caralho. E tem a questão da tiragem, também: à época e na postagem o que escrevi foi isso:

    "o preço baixo não é causa de maior leitura; só será possível enquanto consequência. Além do que, comprar um livro nem sempre é a única maneira de ler livros: as bibliotecas estão aí para isso [...] mas, atendo-me ao preço, é importante notar que enquanto continuarmos reforçando a ideia de que a leitura só vai decolar no Brasil quando os preços baixarem, o que estamos realmente dizendo? Que vale a pena pagar 30 reais por um jantar [...] mas não por um livro. [...] Não diga que os livros são caros – lamente o fato de não ter dinheiro o suficiente para comprar duzentos por mês. Ainda antes disso, separe efetivamente um dinheiro para comprar um capa dura, um livro de bolso, um conto digital por 1,99 na Amazon, qualquer coisa; qualquer coisa que valorize a literatura, para nós que a produzimos e para crianças e adolescentes para os quais você vai mostrar, não com palavras, e sim com gestos e atitudes, que ler é importante."

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    1. Perfeito. O livro pode ser de graça que não vai ser o bastante pra fazer as pessoas se interessarem pela leitura. O buraco é mais embaixo.

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